terça-feira, 17 de março de 2009

O Primeiro Pânico Americano

Rodrigo Constantino Do site Federalistas


“A história não se repete, mas com freqüência rima.” (Mark Twain)


A prosperidade que os Estados Unidos experimentaram na década de 1810 culminou numa grave crise econômica em 1819. Não obstante o fato de que nessa época a economia americana era bem mais simples que hoje, com forte predominância agrária, alguns paralelos podem ser úteis para se extrair algumas lições. Desta forma, o livro The Panic of 1819, de Murray Rothbard, que faz um relato minucioso dos acontecimentos e debates da época, representa uma interessante leitura.

Na fase pós-guerra Anglo-Americana, a economia apresentava forte desempenho. O aumento nos valores exportados e a expansão monetária e creditícia levaram a um boom nos preços de imóveis rurais e urbanos. A especulação na compra de terras públicas, com rápido crescimento do endividamento de fazendeiros, contribuíra para a prosperidade, mas iria cobrar um elevado preço em seguida. O próprio governo estimulara esta especulação, concedendo termos amigáveis para a compra de suas terras. Os gastos do governo federal com construção também jogaram mais lenha na fogueira, tendo aumentado vinte vezes entre 1816 e 1818.

Os bancos, sem a obrigação de pagar os saques em espécie, continuaram expandindo o crédito, enquanto suas notas bancárias continuaram se depreciando. O número de bancos tinha aumentado de 208 para 246 somente em 1815, e o valor das notas em circulação havia aumentado quase 50%. A criação de um Segundo Banco dos Estados Unidos serviu para expandir ainda mais o crédito, encorajado pelo Tesouro. O número de bancos chegou a quase 400 em 1818. A decisão do governo de tratar suas notas como equivalente a espécie era parte da causa disso. No meio desta bolha, a Bolsa de Nova Iorque foi criada, em 1817.

A inevitável contração foi precipitada em 1819, quando o governo deveria pagar boa parte da dívida assumida na compra de Louisiana. Como muitos credores eram estrangeiros, o pagamento deveria ser em espécie. O Banco dos Estados Unidos foi forçado a cortar a expansão vigente e tomar medidas deflacionárias. Uma onda de falências tomou conta do país. O pânico se alastrou, e a contração no crédito fez com que as vendas imobiliárias despencassem. A queda abrupta nos preços dos ativos aumentou o fardo para quem tinha tomado dívida em valores fixos, gerando um rastro de insolvência. Um fenômeno que depois iria se tornar comum nas crises surgiu nessa época: um desemprego em larga escala nas cidades.

O que Rothbard mostra no livro é o excelente nível de debates sobre a crise, suas causas e as receitas propostas. O federalismo ainda era uma realidade nos Estados Unidos, e muito dos debates se deu no âmbito dos estados. Figuras proeminentes, como Thomas Jefferson e John Adams, entre tantos outros, manifestaram-se através de artigos e discursos, com foco nos argumentos econômicos que iriam moldar as diferentes vertentes no país. Os principais temas eram: medidas de alívio para os devedores; o sistema monetário; os bancos; e as tarifas protecionistas. Nesses debates, muito do que iria constar nas principais doutrinas econômicas já se fazia presente. Inúmeros pensadores importantes condenaram a expansão do governo como solução para a crise, tanto com base em argumentos sobre a ineficiência desse caminho, como em sua imoralidade. Os excessos da irresponsabilidade deveriam ser pagos pelos próprios indivíduos, não jogados sobre o ombro dos pagadores de impostos.

De fato, os argumentos contrários às intervenções acabaram sendo vencedores na média, ainda que vários estados tenham adotado uma ou outra medida específica. Em 1821, a depressão começava a aliviar, e a economia já entrava em recuperação. O doloroso processo de liquidação das dívidas estava terminando, e os bancos sobreviventes podiam expandir o crédito novamente. Os preços em geral iniciaram uma trajetória de alta. As idéias pregadas por muitos na época pareciam vingar: o país precisava dar tempo para os ajustes necessários, que o equilíbrio seria naturalmente restaurado. Os indivíduos teriam que economizar e voltar a viver dentro de suas capacidades, e o trabalho árduo levaria ao aumento da produção. Não existiam milagres ou atalhos artificiais para enfrentar a realidade.

O governo não era o detentor de uma varinha mágica, capaz de emitir papel e estimular o crescimento econômico novamente. Não foram poucos os que apelaram para a solução expansionista, através da inflação. Os seus argumentos não diferem dos utilizados atualmente: a nação sofria uma escassez de dinheiro, os bancos não estavam em condições de emprestar, portanto, o governo deveria expandir a moeda mesmo sem conversão em espécie. Os devedores seriam aliviados, as taxas de juros cairiam, e a confiança seria restabelecida. Todos esses pontos receberam fortes críticas e contra-argumentos que, de certa forma, acabaram predominando.

Muitos aspectos do pânico de 1819 estão presentes na crise atual: a especulação imobiliária estimulada pelo próprio governo; a bolha de crédito criada pelos bancos; a deflação; etc. Infelizmente, o que mais mudou desde então foi a qualidade nos debates sobre as causas da crise e as receitas desejáveis. Atualmente, com a honrosa exceção de um grupo bem minoritário de liberais, quase todos assumem como certa a necessidade de intervenção do governo para solucionar os problemas, e defendem ainda uma política inflacionista irresponsável, hipotecando o futuro do país. Ninguém mais fala em deixar o curso natural das coisas levar ao equilíbrio novamente, ou em “sound money” no lugar de um banco central hiperativo na emissão de papel. O déficit público explosivo é visto como solução milagrosa para a depressão. Basta o governo assinar cheques sem lastro que tudo ficará bem. O protecionismo comercial vem ganhando força novamente. São os mesmos pontos de quase dois séculos atrás. Só que agora não há mais um debate verdadeiro, e sim uma “unanimidade” do lado expansionista. Acontece que, como dizia Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”.

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