sexta-feira, 19 de junho de 2009

Populismo e manipulação: Argentina em crise?

A transição democrática argentina abriu com três forças políticas. O tradicional binômio - União Cívica Radical (UCR), de origem liberal, depois social-liberal e social-democrata, o Partido Justicialista (PJ), peronista, com todas as suas correntes, da esquerda à direita, e o sindicalismo e uma Frente de Esquerda (FE). O governo Alfonsín (UCR) inaugurou o período democrático no final dos anos 80. Se por um lado estabeleceu as instituições democráticas, por outro, perdeu o controle da economia, com hiper-inflação. Com isso, antecipou em alguns meses a posse do novo presidente, Menem.

Menem surpreendeu nas primárias do PJ, enfrentando Cafiero, poderoso governador de Buenos Aires e favorito. Numa pré-campanha com todo tipo de populismo, tornou-se candidato do PJ. Vencer a UCR, num quadro como esse, era tarefa simples. Assume, se esquece das promessas e introduz a mais radical das políticas econômicas liberais. Seu superministro, Cavallo, aplica uma paridade fixa com o dólar e conversibilidade. A economia responde, cresce, a euforia interna e externa se traduz numa Argentina como parâmetro para todos.

Nesse processo a FE cresce, agrupando segmentos social-democratas e socialistas e as Mães da Praça de Maio, com Gabriela Meijide à frente. Confronta Menem, em sua reeleição, com Bordon e quase provoca um segundo turno. O quadro econômico argentino vai se desfazendo e a conversibilidade sendo desmontada. Menem desiste de um terceiro mandato e o PJ apresenta Duhalde, governador da província de Buenos Aires (quase 40% do eleitorado). Menem torce por sua derrota, certo que voltaria consagrado em outra eleição.

A FE se alia a UCR, já social-democrata. Nas primárias vence o prefeito de Buenos Aires-DF, De La Rua, um político sem cores, um administrador regular, mas que fazia o contraponto da ética com Menem. Torna-se presidente com o líder da FE, Chacho Álvarez, como vice (que preside o senado). Meijide perde a eleição para governadora da província de Buenos Aires. Com poucos meses, instaura-se a crise política por escândalo no senado e a passividade de De La Rua. Seu vice renuncia em nome da ética.

O processo de desmanche da conversibilidade prossegue até que explode e junto com ele os protestos, até a anarquia pela desintegração dos depósitos da população. Retorna Cavallo e o quadro piora. A Argentina para, no meio do caos. De La Rua renuncia e sai fugido do palácio, de helicóptero. Os presidentes da câmara e senado assumem e horas depois renunciam. Até que se busca em Duhalde a solução. Este assume e enfrenta a crise com o reconhecimento de apenas 25% da dívida externa, dando prazo aos credores. Com seu ministro Lavagna estabelece bases realistas até a situação caminha para a normalização.

Convoca eleição presidencial, e como máximo respaldo, indica um governador de pequena província, Kirchner, do PJ, que garantiria a continuidade de suas políticas com Lavagna e o retorno de Duhalde na próxima eleição. Menem passa para o segundo turno e desiste. A economia mundial entra em fase ascendente. Kirchner adota medidas populistas, que impulsionam o crescimento para 8% a 9%, com uma inflação crescente e preços tabelados da energia e combustíveis.

Adquire enorme popularidade. Passa a governar por lei delegada e sem oposição. Rompe com Duhalde e Lavagna e designa sua mulher, Cristina, para a presidência, de forma a que possa voltar presidente na eleição seguinte. Desintegra o PJ, que passa a ter sublegendas autônomas, e articula frentes regionais com partidos pequenos, desmontando o quadro partidário. A UCR, desmoralizada com De La Rua, se desmonta e adere em grande medida a Kirchner. O quadro partidário desaparece na Argentina, transformando-se em forças eleitorais agrupadas pragmaticamente.

A economia argentina, já em 2008, dá sinais de esgotamento, e com a crise mundial, se desarruma, levando com ela Cristina para uma forte rejeição. O confronto com o setor rural se aprofunda. A oposição se reagrupa em dois vetores mesclados sob diversas lideranças, como o novo prefeito de Buenos Aires-DF, Macri, a deputada Carrió, o senador Reutemann e o deputado Narváez, empresário que adquire no vácuo, popularidade.

Kirchner, temeroso da derrota na eleição parlamentar de outubro (50% da Câmara e 1/3 do senador) de 2009, e de perder a maioria no Congresso, resolve antecipar as eleições para 28 de junho, de forma a evitar o pior. Propõe uma eleição plebiscitária do tipo "eu ou o caos". Estabelece listas testemunhais (com governadores e prefeitos na cabeça para dar votos e não assumirem os mandatos). As pesquisas apontam a derrota dos Kirchner, mas não necessariamente a perda de maioria no Congresso.

É isso o que o eleitor argentino decidirá dia 28: se a vitória das oposições (provável) será suficiente para retirar a maioria dos Kirchner, ou não. Na medida em que Kirchner oferece a disjuntiva "eu ou o caos", constrói-se um clima de incertezas quanto a estabilidade futura política e econômica argentina. Este binário de incertezas -maioria e estabilidade- começa a ser desvendado a partir da noite do dia 28 de junho próximo. O governo brasileiro acompanha silencioso esse processo. Os empresários nem tanto. Os políticos olham para dentro, para seus problemas. E La Nave Va...

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